sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sou apenas um rapaz Brasil-norte-americano... - Comunicação Intercultural x Imposição Cultural

Vive-se num mundo em que relacionar-se com culturas diferentes e promover os valores de cada um em diversos lugares - sem comprometer os conceitos primordiais da cultura do outro - são práticas imprescindíveis para, por exemplo, uma empresa multinacional ou que queira se estabelecer em outras partes do mundo, como mostra Mohammed ElHajji no artigo Comunicação Intercultural: apontamentos analíticos (2005, p. 59):

"De fato, há uma correlação estreita entre as formas organizacionais de uma comunidade e as suas instâncias de enunciação de seu projeto sócio-histórico, na medida em que, ao elaborar as suas práticas discursivas, ela procura desenvolver estratégias que atuem como dispositivos simbólicos na disputa pela imposição de sentido (ainda que plural e polifônico) tanto junto a seus próprios membros como junto à sociedade em geral. A CIC [Comunicação Intercultural] serve, então, de plataforma de reivindicação dos marcos identitários indispensáveis para a perenidade de seu ethos e de cenário de negociação dos possíveis territórios existenciais e subjetivos necessários para sua integração plena na sociedade acolhedora."

Mas até que ponto uma cultura pode se relacionar com outra, de modo que nenhuma seja prejudicada ou excluída da vivência de uma população, ou ainda que quaisquer práticas não se coloquem de maneira que haja uma imposição cultural?

Um exemplo, positivo por algumas óticas e negativo por outras, da imposição cultural ocorreu no Brasil, durante a Era Vargas, mais precisamente no período da Segunda Guerra Mundial (iniciada em 1939). O Brasil tinha muitas dificuldades para comprar produtos industriais da Europa, pelo envolvimento deste continente nos conflitos, e, por isso, teve que substituir as importações por produtos feitos no próprio território nacional, continuando um processo que se principiou na Primeira Grande Guerra.

Além disso, o interesse norte-americano era que Getúlio Vargas se alinhasse ao país, oferecendo financiamentos para indústrias brasileiras, especialmente na área siderúrgica. E esse alinhamento também chegou ao âmbito cultural, como mostra D'Araújo (1997, p. 51)*:

"...foi na Era Vargas que o país entrou definitivamente na órbita econômica e cultural norte-americana. O personagem de quadrinhos Zé Carioca, criado pelos estúdios Disney, e o sucesso de Carmen Miranda nos Estados Unidos foram parte dessa estratégia, formulada, então, para fortalecer a identidade cultural e os laços de cooperação entre os dois países."

Com isso, houve o princípio de uma certa "americanização" dos comportamentos, dos costumes e dos gostos de grande parte da população brasileira. Utilizando o exemplo das histórias em quadrinhos, mesmo Zé Carioca sendo o único personagem da Disney com uma, pode-se dizer assim, nacionalidade definida, ele convive harmonicamente com os demais integrantes da turma, mostrando as belezas naturais do Brasil.



O personagem brasileiro (Joe Carioca na língua inglesa) aparece pela primeira vez em 1942, no filme Alô, Amigos e ele consegue se manter como um protagonista da "política de boa vizinhança" entre Estados Unidos e Brasil, como mostra Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes no artigo A malandragem no imaginário nacional  - Um estudo sobre a construção do personagem Zé Carioca e suas relações com a cultura brasileira (2003, p. 10):

"Analisando a produção de Walt Disney, uma questão merece ser respondida: por que, no universo de Disney, somente Zé Carioca conseguiu manter-se, sofrendo contínua e decidida preocupação por parte dos seus produtores? (...) A resposta, é claro, parece óbvia: o Brasil é um país continental, mantendo fronteiras com diversos países sulamericanos, extremamente rico em suas potencialidades minerais e com um mercado interno plenamente favorável aos investimentos externos. Por isso mesmo, era um aliado preferencial para os interesses norte-americanos. Com essa medida e sob essa orientação, o Zé Carioca serviu como ponte para o estreitamento “simpático” das relações entre Brasil e Estados Unidos."

Com essa explicação, é necessário distinguir quais são as convergências entre a Indústria Cultural e a comunicação intercultural. Para vários autores, esta prática ocorre quando um produtor de mensagem é membro de uma cultura e o receptor/a é membro de outra. E isto ocorre quando se lançou o personagem Zé Carioca: o produtor era norte americano e os receptores eram, além de serem deste mesmo país, também brasileiros e de outras nacionalidades. Porém, o estereótipo de "malandro" que o personagem tipicamente brasileiro trouxe, mais o relacionamento respeitoso que existe entre os dois países, coisificados pelos desenhos, mostra uma imposição cultural, já que não existiam desenhos animados genuinamente brasileiros, pelo menos na amplitude e na repercussão que representavam os estúdios Disney.

*D'ARAÚJO, M.C. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997.

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