quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sobre a leitura crítica da mídia

Por Manoel Marcondes Neto

E sobre nós, relações-públicas, eis que recai – em minha ainda solitária opinião – mais uma grande responsabilidade. E essa não é empresarial, somente. Mas, social. Inteiramente. Explico: a “mídia”, termo técnico da área da comunicação que está na boca do povo, exerce grande poder social nos dias de hoje. Há 30 anos, quando saí da faculdade, discutir mídia, falar de mídia, entender de mídia era algo para poucos. Hoje, não. Na roda de bar se fala de mídia. No Congresso Nacional se discute mídia. Nos telefonemas grampeados cita-se a mídia. Só não se fala de mídia na própria mídia. E esse é um dos grandes desafios de quem estuda e pensa comunicação com a finalidade de atuar sobre o público, ensinar, fazer passar imagens e discursos e lutar pela “compreensão mútua” – como consta na definição da nossa profissão.

Com esse mutismo da mídia sobre si mesma, salvo a exceção honrosa do “Observatório da Imprensa”, fica mais difícil chamar a atenção da audiência quanto a riscos corriqueiros de mau entendimento, propaganda enganosa, mensagens subliminares, comunicação feita pela metade e a inescapável parcialidade devida a acertos comerciais. Ora, se as Casas Bahia são o maior anunciante do veículo “X”, não se vai encontrar o escandaloso caso da morte por engano (o indivíduo baleado pelo segurança quando flanava pela loja paulista era cliente e não assaltante) na sua primeira página.

Vai longe o tempo em que alguns estudiosos apontavam riscos de manipulação, sacavam máximas contra a massificação ou se derretiam de admiração pela figura do Chacrinha – aquela personagem que repetia o bordão “quem não se comunica se trumbica”. (Aliás, vale a pena ver o documentário “Alô Alô Terezinha” de Nelson Hoineff sobre o Velho Guerreiro).

Porém, é preciso lembrar-se que a educação fundamental e média dos brasileiros anda pelas últimas posições mundiais, enquanto que a nossa mídia é, talvez, a mais sofisticada do planeta (além de ser a mais cara, em dólar, para se anunciar). Tal desequilíbrio “pró-mídia” faz da telinha da TV o veículo que mais educa e influencia o comportamento do indivíduo. A mídia homogeiniza, sim. É hábito e forma hábitos. Em um recente evento da indústria da mídia, o diretor da TV Globo “ensinava” em palestra: - é preciso conhecer as pessoas que estão assistindo. Depois conhecer todos os gostos delas. E aí conhecer seus hábitos de consumo...

É uma operação mercadológica perfeita – quem vai discutir a competência comercial da TV Globo? Mas em termos humanísticos, de formação cultural – que é, aliás, um dos mandamentos da Constituição Federal para as áreas da Comunicação e da Cultura (Dê uma olhadinha no link abaixo) – é nota zero.

Assim, seguindo uma trilha aberta por Ismar Soares, pesquisador e professor da USP, um batalhador das causas da educomunicação e da leitura crítica dos meios de comunicação no ensino fundamental e médio, postulo para os errepês essa função, seja no meio acadêmico, quando professor, seja no âmbito organizacional – privado, governamental ou terceiro setor. É preciso “sofisticar o olho e o ouvido” do cidadão e do executivo – inclusive para que compreenda a sutileza do trabalho de relações públicas, um arsenal de táticas avançadas de divulgação.

Assim como é rotina do errepê fazer o “issue management” – gerenciamento de questões sensíveis à empresa-cliente” – sugiro a inclusão de uma outra vertente em nosso trabalho interno junto à base da pirâmide e mesmo à gerência: a discussão das pautas de jornais e emissoras de rádio, análise de telejornais e da internet, visando uma discussão crítica do que normalmente está por trás daquilo que sai publicado.

O jornalista não tem tempo para fazer isso. E não tem perfil também. Seu trabalho é buscar a notícia – no máximo “agendar a pauta” (agenda setting). E trabalha pressionado pelos fatos, pelo chefe de redação, pela concorrência e pelas péssimas condições de trabalho.

O publicitário, no final das contas, é quem paga “toda essa festa que já vem malhada antes d’eu nascer” (Cazuza et al.). Não será este o perfil profissional a julgar a mídia. Este é seu sustentáculo. Precisa vender Melissinhas para a novela e para o feirante. Precisa faturar para a agência e para o veículo. Leitura crítica? Esquece!

Resta ao relações-públicas, por sua visão geral, comprometida com valores institucionais e o longo prazo, a missão de abrir olhos e ouvidos de seu cliente para o que acontece na mídia com potencial para afetá-lo, fazendo a tão necessária leitura crítica dos meios que sua educação fundamental, média – ou mesmo a superior – não ensinou.

Link:
Textos da Constituição Federal para as áreas da Comunicação e da Cultura

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